quinta-feira, 9 de julho de 2009

Escritores...Revelação!

OS LOBOS

Da primeira vez, estava eu na Maria Soares, sabem bem onde é, por cima da Quinta do Pinheiro, pegada àquela mata velha de pinheiros, cheia de alçapões e gargantas, dos tempos do volfrâmio. Era voz comum que os lobos moravam naquelas minas medonhas onde passávamos a correr, com medo das feras. Naquele dia, o meu trabalho era esgalhar uns carvalhos grandes que ensombravam o olival. Subi e preparava-me para cortar os ramos, de cima para baixo, quando ouvi uma ladração de muitos cães que vinham caminhando na direcção dos carvalhos onde estava empoleirado. Do alto, pude então ver um lobo corpulento que caminhava devagar, seguido, a distancia respeitável por uma matilha de cães que ladravam , estacavam e recuavam, cada vez que o lobo parava ou olhava para trás. Passaram mesmo por baixo de mim , mas não falei, aterrado , nos meus verdes anos, com a memória cheia de histórias de lobos famintos que comiam as pessoas todas deixando apenas os pés dentro dos sapatos. Só passados muitos minutos , quando o silêncio voltou, me atrevi a descer da árvore, fugindo para casa a sete pés.
Da segunda vez, já eu era rapaz espigadote, vaidoso proprietário de uma motocicleta que me tinham ofertado pelos meus anos. Tinha na altura o hábito de passar os domingos circulando pela Serra na motorizada e, por vezes ia à Pousada de S. Lourenço a ler as revistas estrangeiras, a tomar café e conviver com os/as turistas. Numa dessa tardes de Inverno , a conversa estava animada e, quando dei conta, era noite fechada, chovia e estava um nevoeiro medonho. Que fazer? Regressar a Folgosinho pela volta de Gouveia, pelo macadame? Ou seguir pela estrada florestal de terra por onde tinha vindo ?
Acabei por optar pela nave Santinha, pela estrada esburacada pela chuva. A motorizada lá seguia devagar , pois o farol dava pouca luz e só em primeira e segunda conseguia controlar a máquina e ver bem o caminho. Ao passar o Casão passou-me pela frente um vulto a correr, que vi de relance. Parei, virei o farol para a esquerda e ali estava um grande lobo, já sentado a olhar fito para mim , sem medo da luz, ao contrário do que diziam os velhotes com muita experiência na matéria.
Não havia ali árvore ou penhasco onde me pudesse pôr a salvo e o Casão tinha e tem sempre as portas e portões escancarados. Engatei a primeira e lá continuei a caminho de casa, sempre olhando para os lados e para trás, sempre á espera do salto que o lobo iria formar ao meu pescoço. Vi naqueles minutos a proximidade do fim da minha vida. Ainda por cima , não podia acelerar porque isso me atiraria para o despenhadeiro ou para uma vala onde o lobo se pudesse regalar com o meu cadáver. Já via os meus pés dentro dos sapatos a serem encontrados dias depois como sinal claro do meu triste fim. Pedi mesmo perdão pelos meus pecados (não eram muitos, na altura), já que não havia qualquer hipótese de confissão auricular. Cheguei a Folgosinho sem cair, sem sujar a roupa e depois de guardar a motocicleta fui então para a lareira , esquecendo o capacete na cabeça. Foi meu pai que mo tirou e, ao ver o cabelo espetado compreendi então, ao espelho, o que significava o cabelo arrepiado. Até hoje, não voltei a ver os nossos amigos; mas tenho saudades deles. Aqueles dois encontros são dois tesouros da minha infância que gostaria de ver repetidos, que mais não fosse, para comprovar se aquele medo e temor eram justificados ou se eram apenas o resultado da mente apavorada pelas histórias que me contava a minha avó ao serão à lareira , nas longas noites de Inverno.

Américo Tenreiro

quarta-feira, 1 de julho de 2009